A BARBA DO
FALECIDO
1. Aconteceu em Jundiaí.
Orozimbo Nunes estava passando mal e foi internado pela família no Hospital São
Vicente de Paula, para tratamento. Orozimbo tem muitos parentes, é muito
querido e tem uma filha que cuida dele. Foi a filha, aliás, que internou Orozimbo.
2. Anteontem telefonaram para a
filha de Orozimbo Nunes. Era do hospital e a notícia dada foi lamentável.
Orozimbo tinha abotoado o paletó
– como dizem os irreverentes. Isto é, tinha posto o bloco na rua, como dizem os superirreverentes,
comparando enterro a bloco carnavalesco. Enfim, Orozimbo tinha morrido. A filha
de Orozimbo que fizesse o favor de aguardar, porque lá do hospital iam fazer o
carreto, ou seja, iam mandar o defunto a domicílio.
3. A filha do extinto caiu em
prantos e convocou logo os parentes. Conforme ficou ditto acima, Orozimbo era
muito querido. Veio parente da capital, veio parente de Minas, parente do Rio,
enfim, Jundiaí ficou assim de parente de Orozimbo. As providências para o velório foram logo tomadas,
gastou-se dinheiro, compraram-se flores. Estava um velório legal se não
faltasse um detalhe: não havia defunto.
4. O corpo de Orozimbo não
tinha chegado. A família ligou para o hospital e reclamou. Tinha saído no
expresso-rabecão das seis
– informaram. E, de fato, pouco depois Orozimbo (à sua revelia) chegava. Puseram o embrulho
lá dentro, houve aquela choradeira regulamentar e, na hora de desembrulhar para
preparar o cadáver, alguém notou que a barba de Orozimbo crescera.
5. – Ele estava tão doente que
nem podia fazer a barba – comentou um dos que ajudavam, com a filha de
Orozimbo, que esperava lá fora.
6. A filha de Orozimbo estanhou
a coisa. Entregara Orozimbo doente, é verdade, mas Orozimbo chegara ao hospital
perfeitamente escanhoado e não dava tempo de a barba ter crescido assim tão
depressa.
7. – A barba tá muito grande? – perguntou a filha de Orozimbo.
8. Estava. Estava que parecia
barba de músico da Bossa-Nova. Aí a moça desconfiou e foi conferir.
Simplesmente não era Orozimbo. Tinham trocado as encomendas, e talvez naquele momento,
outra família, noutro local, estivesse choramdo o Orozimbo errado. Mais que
depressa ligaram para o Hospital São Vicente de Paula e reclamaram contra a
ineficiência do serviço de entregas rápidas.
9. Nova verificação, para se
saber qual era o embaraço, e a direção do eficiente nosocômio descobriu que
Orozimbo nem sequer morrera. Não houvera uma troca de cadáveres, mas uma troca
de fichas. O que morrera não era Orozimbo, era um barbadinho anônimo. Orozimbo
estava lá, vivinho e, por sinal, passando muito melhor. Podia até ter alta,
assim que desejasse.
10. Claro, parou a bronca, e a
raiva contra o desleixo transformou-se em pungente alegria. A família foi
buscar Orozimbo (depois de devolver o barbicha, naturalmente) e o contentamento
foi geral, em receber de volta aquele que já fora pranteado por antecipação e
para o qual já tinham feito aquela vasta despesa para o enterro. Não sei se é
verdade, mas dizem que a família, em sinal de regozijo pela volta de Orozimbo e
também para aproveitar o que sobrara das despesas, ofereceu aos amigos um
velório-dançante.
(STANISLAW
PONTE PRETA. Garoto
Linha Dura. 3ª Edição, Editora Sabiá, Rio de Janeiro, 1968)
Após a leitura do texto, respondas às questões abaixo.
1. Ao saber do falecimento de Orozimbo, a filha chorou, como era de se esperar, e imediatamente:
a. ( ) foi ao hospital conferir o fato
b. ( ) comunicou o fato aos parentes
c. ( )providenciou os serviços funerais
d. ( ) preparou a casa para o velório
2. Segundo os dicionários, velório significa passar noite em
claro na sala onde está exposto um morto. De acordo com o texto, podemos
entender que o velório:
a. ( ) aconteceu por pouco tempo
b. ( ) começou com a chegada do defunto
c. ( ) terminou com a descoberta do erro
d. ( ) não chegou realmente a acontecer
3. Os parentes de Orozimbo comentaram o tamanho da barba do falecido com a filha e, então, ela se admirou. Por quê?
4. O narrador diz que “talvez naquele momento, outra família, noutro local, estivesse chorando o Orozimbo errado” (parág. 8). Analisada a situação, haveria essa possibilidade? Sim ( ) não ( )
Justifique sua resposta.
5. Embora Orozimbo estivesse
vivo, a família teve despesas com o velório. Na sua opinião, a quem cabe a
culpa por essa despesa inútil? E por quê?
6. O narrador informa de modo irreverente que: “Orozimbo tinha abotoado e paletó” e “posto o bloco na rua” (parág. 2). Reescreva a frase dentro do português padrão.
7. Localize no texto e transcreva para os espaços uma palavra que tenha o mesmo significado de:
a) pormenor, particularidade: ________________________
b) deficiência, inutilidade: ___________________________
c) hospital: _______________________________________
d) negligência, descuido: ____________________________
e) comovente, incitante: _____________________________
f) chorado, lamentado: ______________________________
g) alegria, contentamento: ___________________________
8. Antigamente, dava-se o nome de rabecão ao contrabaixo (instrumento musical semelhante do violino, porém muito maior). No texto rabecão tem outro significado. Qual é? _____________________
____________________________________________________________________
GABARITO
1. b 2. D
3. A barba não poderia ter crescido tanto em tão poucos dias e a filha ficou admirada porque ainda não tinha visto o defunto.
4. Não. Porque só havia um defunto.
5. Há duas possibilidades de culpados:
a) A família de Orozimbo, que não esperou o defunto chegar para se certificar do falecimento
b) A direção do hospital, que deu a informação errada à família.
6. Orozimbo tinha falecido (ou morrido)
7. a) detalhe – parágrafo 3
b) ineficácia – parágrafo 8
c) nosocômio – parágrafo 9
d) desleixo – parágrafo 10
e) pungente – parágrafo 10
f) pranteado – parágrafo 10
g) regozijo – parágrafo 10
8. Carro fúnebre.
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